quinta-feira, 2 de dezembro de 2010




Estava se sentindo linda e poderosa. Usava um anel de prata no dedo médio da mão direita, e um cravejado de minúsculos diamantes no anelar, na esquerda. Quando levou os dedos até a taça de champagne, hesitou em erguer o dedo mínimo, desconfiada de que qualquer um que visse tal ato a compreendesse como uma nova rica. Ela precisava causar uma boa impressão, e parecer alguém sem classe ou berço estava fora de cogitação. O vestido longo de renda negra a irritava; estava doida por um par de calças jeans velhas e um bom moletom puído, mas não poderia jamais usar roupas assim novamente. Não se conseguisse o que buscava naquela lugar. Levou a taça até os lábios, mas parou a meio milímetro de distância deles, lembrando-se do batom vermelho vivo que usava. Ficaria a marca na borda da taça de cristal? E seria isso algum tipo de grosseria? Repensando seus atos pela milionésima vez, ela baixou a taça. Melhor não arriscar, não é mesmo? Este não era um lugar para se usar frases como "Quem não arrisca não petisca". (O único petisco que ela queria era aquela coisa gosmenta e cinzenta que vira uma jovem garota loura comer. Queria aquela coisa para ver se seria capaz de copiar o biquinho e o leve assobio que a garota fez ao chupar a gosma daquela curiosa casquinha.)
Cansada de ficar em dúvida até sobre como pegar num mero copo, ela ergueu ou olhos do líquido borbolhante momentaneamente e pode contemplar o rosto de uma dúzia de jovens rapazes, com seus smokings e ternos, olhando-a com curiosidade. Mas é claro que aconteceria. Ela podia não ser nenhuma Angelina Jolie, mas com certeza seus cabelos negros e longos, com seus caracóis e mechas naturais, seus lábios vermelhos e cheios e seus olhos verdes chamavam atenção. O vestido colaborava, colando-se ao seu corpo e marcando suas generosas curvas brasileiras. Quem ali já teria estado no Brasil? Poucos, acreditava. Estadunidenses não são grandes fãs de terras brasileiras, em sua maioria. Mas isso não importava. Ela agora era um deles. Ou brevemente seria.

Depois de cinco taças de champagne, ela já se sentia alegre. Conversara com algumas garotas, e notara que não tremera ou engasgara ao falar. Estava fluente. As meninas riam e riam, os dentes perfeitos reluzindo à luz fraca de velas. Casais e mais casais se formavam, mas ninguém saía do recinto onde a festa acontecia; iam para os cantos e escurinhos, mas permaneciam visíveis. Depois de se afastar de um grupo de belas moças morenas, ela se sentou em uma poltrona de veludo vermelho e bordados dourados. Tocou os traços da linha dourada sobre o tecido macio, e sentiu o bordado na ponta dos dedos hipersensíveis. Estava sentindo-se dona daquele lugar. Procurou rapidamente qualquer um dos rostos que vira cobiçando-a mais cedo, mas não encontrou nenhum. É assim mesmo, repetiu mentalmente. Eles acham que sou diferente, mas quando começo a rir e demonstrar que posso ser como qualquer outra, eles me esquecem. Tocou a renda do vestido e enfiou suas unhas longas entre as fendas do tecido, começando a rasgá-lo. Para que servia tudo aquilo? Um pretendente jamais viria. Com as longas unhas douradas, pôs-se a rasgar a meia-de-seda que cobria as pernas depiladas à cera - um luxo que não tinha enquanto morava no Nordeste brasileiro. Passou os dedos, ainda hipersensíveis, sobre a pele. Sentia-se macia como nunca fora. Nunca fora. Nunca. Ela não era. Aquilo não era ela. Uma máscara, talvez, mas nada real. Rasgou o resto da meia. Estava nervosa, só isso. Nervosa com o papel que tinha que fazer. Tirou faixas e faixas de renda do vestido, até diminuí-lo pela metade. Uma das meninas que conversara com ela há pouco tempo veio em seu socorro, desesperada para ajudá-la. Mas o que uma patricinha nova-iorquina poderia fazer? Comprar-lhe outras meias? Ela precisava de uma amiga, um ombro para chorar, não um par de meias novas. Gritou com a moça. Jogou champagne nela. De onde tirara aquela taça de champagne, aliás? Talvez da mão do velho senhor ao seu lado, que conversava animadamente com uma moça de sua idade. Todos a olharam, perplexos. Que é que ela está fazendo?, perguntavam os rostos. Alguém aí sabe? Não. Ninguém sabia, ninguém a entendia. Continuou a jogar champagne, agora rodando. Correu o mais rápido que pode - malditos saltos! - até uma mesa, e agarrou uma garrafa de champagne. Estava se passando por bêbada, obviamente. Tentou abrir a garrafa; não conseguiu. Tentou novamente, e falhou. Então lembrou-se de como vira homens fazendo nos filmes: agarrou um pedaço de pano (talvez a toalha da mesa; isso explicaria o barulho todo) e colocou-o em volta da rolha, puxando para os lados e então para cima. Com um estalo agúdo e forte, a rolha se foi, voando pelos ares como ela mesmo adoraria fazer. Voar para casa. O champagne derramava-se da garrafa como sua fúria derramava-se de si mesma. Então, meio segundo antes de quatro pares de mãos tocarem sua pele sensível para acabar com seu ataque de raiva, ela se sentiu plenamente... o quê? Calma, talvez. Tranquila. Descansada. Não, não. Ela se sentiu completa. Fez o que pode para se ajustar, mas não. Que se danem as jóias, as roupas e as bebidas, pensou, satisfeita. Ela não pertencia àquele lugar. Tinha de ir. Ir para sempre e nunca, nunca mais voltar.

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